Capítulo12 Tópicos Especiais

12.1 Introdução

Vamos discutir aqui modelos formais de discriminação (usualmente racial, mas poderiam ser igualmente aplicados a discriminação de gênero ou outras características) que surgiram na economia ao longos dos últimos 50 anos.

Gerard et. al. (2021).

12.2 Discriminação

Como a literatura de economia tem definido Discriminação? Arrow (1973) argumenta do seguinte modo (tradução do GPT): ““O fato de que diferentes grupos de trabalhadores, sejam eles qualificados ou não qualificados, negros ou brancos, homens ou mulheres, recebam salários diferentes convida à explicação de que os diferentes grupos devem diferir de acordo com alguma característica valorizada no mercado. Na teoria econômica padrão, pensamos primeiro nas diferenças de produtividade. A noção de discriminação envolve o conceito adicional de que características pessoais do trabalhador, não relacionadas à produtividade, também são valorizadas no mercado.”

Essa definição é reconhecidamente problemática. Eis algunas problemas:

  1. Ela pressupõe que é possível distinguir a produtividade das características pessoais. Porém, se no mundo da publicidade o consumidor valoriza mais atores brancos que negros (homens versus mulheres etc.), brancos geram mais valor que negros e, portanto, a produtividade está associada à raça.

  2. A tecnologia, que impacta a produtividade, não é neutra. Fotografias de pessoas brancas historicamente possuiam melhor qualidade, pois foram historicamente calibradas para tons de pele mais claros. Por muitos anos, os padrões de calibração de filmes fotográficos e câmeras de vídeo foram baseados em modelos de referência com pele clara, conhecidos como “Shirley cards”. Nesse caso, a qualidade de filmes com atores brancos seria melhor do que com atores negros, e portanto, brancos seriam mais “produtivos” por causa da tecnologia.

Outro exemplo é a iluminação. Para tons de pele mais escuros, a luz precisa ser controlada cuidadosamente para evitar sombras excessivas que podem ocultar detalhes faciais. Se o técnico que cuida disso não souber fazer os ajustes necessários, novamente a produtividade dos artistas negros será menor.

12.3 Taste-Based Discrimination

O prêmio nobel de Economia Gary Becker apresentou o primeiro modelo canônico de discriminação racial (1957). Nesse modelo, a discriminação ocorre porque empresas comandadas por pessoas brancas têm preferências por contratar pessoas brancas versus pessoas negras. Ou seja, por preconceito pessoal delas. Então, ao contratar pessoas negrar isso gera uma “desutilidade” ou utilidade negativa para o contratante, de forma que, a pesar de igualmente produtivo a uma pessoa branca, o contratante paga salário menor por causa dessa disutilidade ou para receber o mesmo salário deve ser mais produtivo.

Para que haja um diferencial de salários em equilíbrio no mercado, é preciso que haha um número suficientemente grande de empresas discriminatórias. A razão é que se o número for pequeno, trabalhadores negros iriam acabar trabalhando só em firmas que não discriminam, ganhando um salário igual aos brancos, e as firmas discriminadoras contratariam apenas brancos, e não haveria diferencial de salários em equilíbrio.

Se houver um número grande de empresas discriminadoras, então trablhadores negros iriam primeiro buscar emprego nas empresas não-discriminadoras ou nas menos discriminadoras. As mais discriminadoras não contratariam, porque a desutilidade seria muito grande. Assim, o “último” trabalhador contratado pela firma no limite da discriminação é o que vai determinar o salário de equilíbro. Todos competem igualmente por essa vaga e ela determina o diferencial de salário. Ou seja, é a empresa marginal na discriminação, e não da discriminação média, que determina o diferencial. E a empresa marginal depende do número de trabalhadores negros e da distribuição da discriminação entre firmas.

Do ponto de vista teórico, o problema desse modelo é que empresas sem preconceito seriam mais lucrativas e deveriam dominar o mercado, eliminando assim a discriminação.

Mais recentemente, em particular a partir do trabalho de Black (1995), a literatura tem explicado como pode haver persistência de desigualdade salarial entre grupos raciais mesmo em um mercado competitivo. A ideia é introduzir fricção no mercado de trabalho, isto é, trabalhadoras não acham emprego imediatamente. Precusam procurar até achar, e esse tempo é custoso. Portanto, elas possuem um salário de reserva, que é quanto esperam ganhar se continuarem procurando emprego, em vez de aceitaram uma proposta qualquer. É como o valor de continuação do jogo que vimos no modelo de Baron-Ferejohn de barganhas no legislativo.

Se a trabalhadora negra sabe que poderá receber ofertas piores de empresas discriminadoras, demorará mais tempo que uma pessoa branca para arranjar um emprego que pague sua produtividade marginal. Como o tempo é custoso, isso rebaixa seu salário de reserva, tornando um equilíbrio haver diferencial de salários permanentes. Portanto, o efeito se dá via rebaixamento de expectativas.

12.4 Discriminação estatística

Phelps (1972) propôs uma explicação alternativa para a discriminação. A ideia é que não observamos diretamente a produtividade dos trabalhadores, e precisamos usar sinais correlacionados com produtividade. Eis o modelo.

Cada trabalhador tem uma identidade \(j \in \{B,W\}\) e um tipo de produtiidade \(p\), que vem de uma distribuição \(N(\mu_j, \sigma^2_j)\). Um empregador quer contratar a trabalhadora e pagar o salário igual à produtividade dela. Entretando, o empregador só observa a identidade e um sinal da produtividade (digamos, currículo ou resultado de um teste): \(\theta = p + e\), em que \(e \sim N(0, \sigma^2_{ej})\).

É possível mostrar que a produtividade esperada da trabalhadoras é:

\(\mathbb{E}(p|\theta, j) = \theta \frac{\sigma^2_j}{\sigma^2_j + \sigma^2_{ej}} + \mu_j \frac{\sigma^2_{ej}}{\sigma^2_j + \sigma^2_{ej}}\)

Digamos que \(e = 0\), isto é, a variância é zero, ou seja, o sinal é sem ruído. Então, a produtividade inferida depende da identidade. Em particular,

\(\mathbb{E}(p|\theta, j) = \theta \frac{\sigma^2_j}{\sigma^2_j} + \mu_j\frac{0}{\sigma^2_j} = \theta = p\). Ou seja, todas as trabalhadoras recebem igual à sua produtividade, independentemente da sua identidade.

12.4.1 Definição de discriminação estatística individual

“Uma abordagem possível é definir a discriminação em um nível individual: a discriminação estatística surge quando duas pessoas, com o mesmo resultado observável (realização do sinal θ), mas com identidades diferentes, recebem inferências de produtividade diferentes – e, portanto, salários diferentes – do empregador.”

Se por outro lado o ruído é diferente de zero, então a produtividade inferida vai diferir entre os grupos. “Por exemplo, suponha que \(\sigma^2_B > \sigma^2_W\), de forma que o sinal é mais ruidoso para os indivíduos do grupo B. A inferência de produtividade feita pelo empregador é, portanto, mais sensível ao sinal para o grupo W do que para o grupo B. Especificamente, uma pessoa do grupo B que obtém uma realização de sinal acima da média é interpretada como tendo uma produtividade esperada mais baixa do que uma pessoa do grupo W com a mesma realização de sinal. Por outro lado, uma pessoa do grupo B com uma realização de sinal abaixo da média é vista como mais produtiva do que se pertencesse ao grupo W.”

Aqui, a discriminação ocorre ao nível individual, mas não no nível de grupo. Ou seja, há discriminação positiva e negativa que na média se compensam ao nível do grupo.

Uma forma de se obter discriminação estatística ao nível do grupo é determinar que a escala salarial é não linear com relação Pa produtividade. Se, por exemplo, supusermos que empregadores são avessos ao risco, é possível mostrar que isso gera escala não-linear e, como consequência, trabalahdores do grupo \(W\) ganhando salários maiores, em média, do que trabalhadores do grupo \(B\).

12.5 Equilíbrio da discriminação estatística

Um ponto mencionado inicialmente por Arrow é que, antecipando que serão remunerados diferentes, indivíduos de grupos diferentes podem tomar decisões diferentes de investimento em capital humano, criando profecias auto-realizáveis. O modelo de Coate and Loury (1993) é um exemplo desse tipo de situação

Empresas possuem tarefas simples e complexas e precisam contratar um continuum de trabalhadores. Eles podem ser habilidosos (skilled - S) ou não-habilidosos (Unskilled- U) e pertencem a duas identidades, \(B\) e \(W\). Se o trabalhador é alocado para a tarefa simples, o salário é \(0\) e a firma tem lucro \(0\). Se for alocado para um trabalho complexo, recebe um salário positivo. A firma tem um payoff positivo se a pessoa no trabalho complexo é S, e negativo se é U.

“Para calcular a probabilidade posterior bayesiana de que um trabalhador é qualificado, a firma usa a realização do sinal observado, bem como um prévio, que é dado pela suposição da firma sobre a proporção geral de trabalhadores que escolheram investir na aquisição de habilidades. Essa suposição prévia também pode depender da identidade do trabalhador – por exemplo, a firma pode pensar que trabalhadores do grupo W investem na aquisição de habilidades em uma proporção maior do que trabalhadores do grupo B. É aqui que a natureza autorrealizável do modelo se manifesta: Porque a suposição prévia da firma afeta sua interpretação do sinal imperfeito de habilidade, os incentivos para investir na aquisição de habilidades são, eles próprios, afetados pela suposição da firma.

Em equilíbrio, a suposição da firma deve ser precisa. No entanto, devido à complementaridade entre a suposição prévia da firma e as ações dos trabalhadores, pode haver múltiplos equilíbrios, com diferentes níveis de investimento. De fato, Coate e Loury (1993) mostram que, sob algumas suposições sobre a distribuição dos custos de investimento, existem pelo menos dois desses equilíbrios. Além disso, os múltiplos equilíbrios são classificados por Pareto, de forma que tanto as firmas quanto os trabalhadores estão em melhor situação em equilíbrios onde as firmas (corretamente) supõem que uma proporção maior de trabalhadores adquire habilidades.”

Moro and Norman (2004), relax Coate and Loury’s (1993) assumption of exogenous wages. They propose a general equilibrium model of statistical discrimination, where wages offered to workers of different identities are interdependent. Among other results, the authors show that the dominant identity may benefit from the discriminatory treatment of the disadvantaged group.

statistical discrimination arises because workers of different identities play different equilibria.

12.5.1 Novas modificações

Discuto agora um exemplo de modificação recente que ilustra como a literatura tem avançado, a partir do estudo de Bardhi, Guo e Strulovici (2023).

Esses cenários representam propriedades inerentes ao tipo de tarefa realizada em uma determinada empresa. Por exemplo, a pesquisa científica pode ser vista como um ambiente de aprendizado por conquistas, onde a maioria das notícias observadas – como um novo artigo publicado ou uma concessão de bolsa – são notícias positivas sobre o tipo subjacente do pesquisador. Por outro lado, o trabalho de um vigia noturno ou de um piloto de avião ocorre em ambientes de aprendizado por falhas, onde as notícias observadas publicamente são geralmente negativas – por exemplo, uma tentativa de roubo bem-sucedida ou um pouso de emergência.

O principal resultado de Bardhi, Guo e Strulovici (2023) é que, dependendo do ambiente de aprendizado subjacente, uma pequena diferença na qualidade esperada ex-ante entre o trabalhador A e o trabalhador B pode levar a grandes diferenças nas trajetórias de carreira e, consequentemente, nos ganhos.

12.5.2 Ambiente de Aprendizado por Conquistas (Breakthrough Learning):

Descrição: Inicialmente, a firma aloca o trabalhador A (com expectativa ligeiramente superior) para a tarefa. Se A realiza uma conquista (como um sucesso significativo), é identificado como de alta qualidade e continua na tarefa permanentemente. Se nenhuma conquista é observada, a avaliação da firma sobre A diminui gradualmente até igualar a expectativa sobre o trabalhador B. A partir desse ponto, A e B são tratados de forma igual. Implicação: Quando as diferenças iniciais entre A e B são pequenas, o tempo para que A e B sejam tratados de forma simétrica é curto. Portanto, as trajetórias de carreira e recompensas esperadas para A e B são quase iguais, tornando a discriminação no início da carreira auto-corretiva.

12.5.3 Ambiente de Aprendizado por Falhas (Breakdown Learning):

Descrição: A firma começa alocando o trabalhador A. Se A falha (como um incidente significativo), é identificado como de baixa qualidade e substituído permanentemente por B. Se nenhuma falha ocorre, A continua sendo empregado e sua avaliação melhora. B só é considerado se A falhar, resultando em B raramente ter a chance de mostrar suas habilidades. Implicação: Nesse cenário, a discriminação inicial entre A e B pode se agravar ao longo do tempo. Mesmo que A e B sejam quase iguais, A e B terão trajetórias de carreira e recompensas esperadas muito diferentes, com A mantendo uma vantagem considerável. Conclusões do Trecho:

Heidhues, Köszegi e Strack (2019) também propõem um modelo comportamental de interpretação dos resultados individuais, onde as diferenças entre grupos são provocadas pela consideração do observador de que é possível que os resultados dos indivíduos sejam afetados pela discriminação em nível de grupo. Novamente, a discriminação é provocada pela existência de alguma distinção percebida entre grupos de identidade em primeiro lugar.

Contexto do Modelo:

Sociedade e Grupos: A sociedade é composta por múltiplos grupos que podem se sobrepor. Cada indivíduo (agente) é parte de um desses grupos, compete com outros grupos ou é um observador neutro. Resultados de Reconhecimento: Os resultados observados (como conquistas ou status) são influenciados tanto pelas habilidades subjacentes dos indivíduos quanto por algum grau de incerteza ou ruído. Percepção da Discriminação:

Interpretação do Observador: Os indivíduos acreditam que seus resultados e os de outros podem ser influenciados por discriminação em nível de grupo. Isso significa que eles pensam que alguns grupos podem ser favorecidos ou desfavorecidos. Objetivo do Aprendizado: Os agentes tentam descobrir os verdadeiros padrões de discriminação observando os resultados, como um aprendiz Bayesiano que atualiza suas crenças com base em novas evidências. Comportamento de Excesso de Confiança:

Crença Sobre Habilidade Própria: Cada agente tem uma crença excessivamente confiante sobre sua própria habilidade. Eles acreditam que são mais capazes do que realmente são. Teimosia: Mesmo quando os resultados observados não correspondem às suas expectativas excessivamente confiantes, os agentes teimosamente mantêm a crença de que são altamente capazes. Impacto no Aprendizado de Discriminação:

Subestimação de Habilidade: Quando os agentes observam que seus resultados são inferiores às suas expectativas, eles não revisam suas crenças sobre sua própria habilidade (devido à sua teimosia excessivamente confiante). Atualização de Crenças Sobre Discriminação: Em vez disso, eles ajustam suas crenças sobre a discriminação na sociedade. Eles tendem a acreditar que a discriminação é maior contra os grupos aos quais pertencem e menor contra os grupos com os quais competem. Longo Prazo: A longo prazo, isso leva a uma superestimação da discriminação contra seus próprios grupos e uma subestimação da discriminação contra grupos competidores. Resumo: Crenças Iniciais e Observações: Os indivíduos começam com uma crença teimosamente excessiva sobre suas próprias habilidades. Eles observam os resultados de reconhecimento (como conquistas) na sociedade. Interpretação de Resultados: Quando seus próprios resultados não correspondem às suas expectativas, eles não ajustam suas crenças sobre sua própria habilidade, mas sim sobre a discriminação. Efeito na Percepção da Discriminação: Isso leva à percepção de que a discriminação é maior contra os grupos aos quais pertencem e menor contra os grupos com os quais competem. Implicações Sociais: Esse processo de aprendizado tendencioso pode explicar por que as pessoas frequentemente superestimam a discriminação contra si mesmas e subestimam a discriminação contra os outros, mesmo quando os dados observacionais podem não suportar essas crenças.

12.6 Críticas

Small and Pager (2020) recognize that research in economics – both empirical and theoretical – has traditionally adopted either the taste-based or the statistical discrimination perspectives, focusing substantially on assessing which approach is a more appropriate description of discrimination as a sociological phenomenon. They go on to criticize this economic research agenda, arguing that it misses “what sociologists and others have called ‘institutional discrimination,’ ‘structural discrimination,’ and ‘institutional racism,’ which are all terms used to refer to the idea that something other than individuals may discriminate by race.” In their essay, they define “institutional discrimination” as “differential treatment that may be caused by organizational rules or by people following the law,” and say that it need not result from personal prejudice or from rational guesses on the basis of group characteristics.

all either rooted on personal prejudices or based on rationally (or irrationally) biased beliefs.

12.6.1 Normas Sociais como instituições

According to Young (2015), “As normas sociais são padrões de comportamento que se autoimpõem dentro de um grupo: todos se conformam, todos esperam que os outros se conformem, e todos desejam se conformar quando esperam que todos os outros se conformem. As normas sociais são frequentemente mantidas por múltiplos mecanismos, incluindo o desejo de coordenar, o medo de ser sancionado, a sinalização de pertencimento a um grupo, ou simplesmente seguir o exemplo dos outros.”

12.7 Discriminação institucional/sistêmica

Bohren, Hull and Imas (2023) introduze uma noção de discriminação sistêmica, diferenciando da discriminação direta. Os autores apresentam um exemplo motivador que é útil.

Na primeira etapa, um recrutador se encontra com um candidato potencial e faz uma avaliação. Esse recrutador é tendencioso e avalia consistentemente as candidatas do sexo feminino de forma menos favorável do que os candidatos do sexo masculino com habilidades iguais.

Na segunda etapa, um gerente de contratação na empresa observa a avaliação do recrutador e toma a decisão de contratar.

Suponha que um econometrista só consiga observar a segunda etapa do processo de contratação: ele vê as avaliações de todos os candidatos potenciais e as decisões de contratação. Analisando esses dados, o econometrista pode não encontrar diferenças estatisticamente significativas entre as probabilidades de contratação para candidatas femininas e candidatos masculinos, condicionadas à avaliação do recrutador. Nesse ponto, o econometrista pode concluir que o processo de contratação não é discriminatório, pois candidatos do sexo masculino e feminino com resultados observáveis iguais têm a mesma probabilidade de serem contratados.

Bohren, Hull e Imas (2023) sugerem, em vez disso, que o econometrista deve concluir que “não há discriminação direta por parte do gerente de contratação.” ## Referências

Gerard, F., Lagos, L., Severnini, E., & Card, D. (2021). Assortative matching or exclusionary hiring? The impact of employment and pay policies on racial wage differences in Brazil. American Economic Review, 111(10), 3418-3457.