Capítulo 4 Introdução à Simulação

Simulação é uma ferramenta extremamente importante em probabilidade e estatística. Dois são seus principais usos. De um lado, é possível usar um modelo de probabilidade para recriar, artificialmente, no computador, amostras desse modelo, quantas vezes quisermos. Tudo se passa como se tivéssemos o poder de criar um mundo, totalmente controlado por nós, e podemos simular esse mundo e verificar o que acontece. Isso é útil quando não podemos ou não queremos verificar matematicamente o que deveria acontecer com base no modelo matemático de probabilidade. De outro lado, é possível usar simulações para aproximar quantidades matemáticas que não podemos ou não queremos calcular analiticamente. Por calcular analiticamente, é fazendo a conta nós mesmos. Um exemplo simples disso é, em vez de calcular os resultados de alguma análise combinatória usando as fórmulas de combinação e simularmos os valores e contar quantas combinações resultam.

No geral usamos simulação para o primeiro tipo de uso. Mas, aqui no curso, será útil que vocês verifiquem resultados matemáticos por meio de simulações. Assim, se escrevemos que \(\sum_{i=1}^{10} i = 55\), vocês podem verificar com código no R essa soma, por exemplo, rodando: sum(1:10). Sempre que vocês tiverem dúvida de algum passo matemático, podem fazer uma simulação para entender melhor o que está acontecendo. Isso é encorajado, para melhorar a intuição do que está acontecendo e lhe assegurar que de fato você está entendendo o que está acontecendo. Podemos usar simulações para aproximar quantidades. Um exemplo clássico em probabilidade é a fórmula de Stirling, dada por \(n! \sim \sqrt{2\pi}n^{n + 1/2}*e^{-n}\). Então, por exemplo, \(10! = 10*9*8*7*6*5*4*3*2*1\) com os computadores modernos pode ser calculada diretamente para números não tão grandes. No caso, \(10! = 3628800\). Ou pode ser aproximada pela fórmula de Stirling:

Exemplo 4.1

# especificando semente, para simulação ser reproduzível
set.seed(2)

# número de amostras
stirling_aprox <- function(n) {
  sqrt(2*pi)*n^(n+1/2)*exp(-n)
}

print(stirling_aprox(10))

[1] 3598696

# razão da aproximação para o valor correto
stirling_aprox(10)/3628800

[1] 0.991704

# erro percentual
1 - stirling_aprox(10)/3628800 # 0,8%

[1] 0.00829596

Como se vê, a fórmula de Stirling é bem precisa para aproximar fatorial e muito mais fácil de computar.

Dito isso, voltemos ao primeiro caso, de simulação de modelos de probabilidade.

Comecemos lembrando que probabilidades podem ser interpretadas como frequências relativas de longo prazo. Portanto, a probabilidade de um evento pode ser aproximada por simulações, na medida em que aproximamos a frequência relativa com que o fenômeno acontece em nossas simulações. Vamos dar um exemplo simples desse tipo de aplicação.

Suponha que quero simular a probabilidade do número 6 sair em um dado de seis lados.

Exemplo 4.1.1

# especificando semente, para simulação ser reproduzível
set.seed(234)
# número de amostras
n <- 10000

# 1000 amostras de uma lançamento de dado de 6 lados
resultado <- sample(1:6, n, TRUE)

# frequência relativade 6 é dada por número de 6 / total de amostras
prob_6 <- sum(resultado == 6)/n

# 16,89%
# 1/6 = 16.6666

Podemos também ver como a aproximação converge para o verdadeiro valor à medida que \(n\) cresce.

# especificando semente, para simulação ser reproduzível
set.seed(234)
# número de amostras

vec_amostra <- c(100, 1000, 10000, 100000, 1000000)

# lista vazia para armazenar os resultados das simulações
resultado_lista <- list()

# vetor vazio para armazenar a frequência relativa de 6
vec_prob6 <- numeric()

set.seed(234)
# loop sobre os tamanhos das amostrar
for ( i in 1:length(vec_amostra)) {
  # n amostras de uma lançamento de dado de 6 lados
resultado_lista[[i]] <- sample(1:6, vec_amostra[i], TRUE)

# frequência relativade 6 é dada por número de 6 / total de amostras
vec_prob6[i] <- sum(resultado_lista[[i]] == 6)/vec_amostra[i]

}

print(vec_prob6)

[1] 0.150000 0.189000 0.164700 0.169250 0.166257

Se supusermos que todos os números possuem a mesma chance de sair quando jogamos os dados, então, a distribuição conjunta de \(X\) e \(Y\) pode ser dada por:

library(knitr)
library(kableExtra)

# Definir os valores de (x, y) e P(X = x, Y = y)
valores <- c("(2, 1)", "(3, 2)", "(4, 2)", "(4, 3)", "(5, 3)", "(5, 4)", "(6, 3)", "(6, 4)", "(7, 4)", "(8, 4)")
probabilidades <- c(0.0625, 0.1250, 0.0625, 0.1250, 0.1250, 0.1250, 0.0625, 0.1250, 0.1250, 0.0625)

# Criar a tabela
tabela <- data.frame("(x, y)" = valores, "P(X = x, Y = y)" = probabilidades)

# Formatar a tabela
kable(tabela, caption = "Tabela 2.26: Tabela representando a distribuição conjunta da soma (X) e o maior (Y) de dois lançamentos de um dado de quatro faces",
                          col.names = c("$(X,Y)$", "$P(X=x, Y=y)$")) %>%
  kable_styling(bootstrap_options = "striped")
(#tab:cap4 tab1)Tabela 2.26: Tabela representando a distribuição conjunta da soma (X) e o maior (Y) de dois lançamentos de um dado de quatro faces
\((X,Y)\) \(P(X=x, Y=y)\)
(2, 1) 0.0625
(3, 2) 0.1250
(4, 2) 0.0625
(4, 3) 0.1250
(5, 3) 0.1250
(5, 4) 0.1250
(6, 3) 0.0625
(6, 4) 0.1250
(7, 4) 0.1250
(8, 4) 0.0625

como podemos ver, à medida que \(n\) cresce, a simulação converge para o verdadeiro valor do parâmetro, embora isso não seja linear. Por isso que é importante variar a configuração para ter certeza de que a simulação está próxima do verdadeiro valor do parâmetro.

De maneira geral, uma simulação envolve os seguintes passos.

4.1 Configuração

Definir o modelo de probabilidade, variáveis aleatórias e eventos a serem modelados. O modelo de probabilidade codifica todas as suposições do modelo. No exemplo acima, de que todos os lados têm a mesma probabilidade de sair, que existem apenas seis possibilidades, numeradas de \(1-6\) e assim por diante.

4.2 Simular

Vamos considerar o exemplo dos dados novamente. Vamos usar a função sample para simular lançamento de um dado de quatro faces.

Para “jogar o dado” uma vez, sorteio um número entre 1 e 4.

X <- sample(1:4, size=1)

Como quero a frequência de longo prazo, preciso repetir esse processo (de maneira independente a cada jogada) \(n\) vezes.

# número de jogadas/simulações
n <- 1000

# vetor X, para armazenar o resultado de cada uma das n jogadas
X <- numeric()

# simulando n vezes
for( i in 1:n){
  X[i] <- sample(1:4, size=1)
}

# visualizando as primeiras 20 jogadas
head(X, 20)

[1] 4 4 1 4 2 3 2 4 2 2 3 4 4 1 4 2 4 2 3 3

4.3 Resumir

Após realizada a simulação, queremos não olhar todos os números simulados, mas resumir a simulação. Por exemplo, obtendo a minha distribuição de probabilidade, ou a esperança.

# prob X = 1
sum(X==1)/n

[1] 0.262

# prob X = 2
sum(X==2)/n

[1] 0.26

# prob X = 3
sum(X==3)/n

[1] 0.232

# prob X = 2
sum(X==4)/n

[1] 0.246

## resumo geral
summary(X)

Min. 1st Qu. Median Mean 3rd Qu. Max. 1.000 1.000 2.000 2.462 3.000 4.000

4.4 Análise de sensibilidade

Como estamos simulando e aproximando com um \(n\) finito o que deveria ser infinito, temos de saber se nossa aproximação é boa. Se sabemos a verdade, podemos calcular como o erro se comporta com o \(n\) que escolhemos, ou ver como muda à medida que o \(n\) cresce. Vamos fazer isso.

# número de jogadas/simulações
n <- 1000

# vetor X, para armazenar o resultado de cada uma das n jogadas
X <- numeric()

# número de replicações da simulação
k <- 100

# vetor para armazenar o erro medio
erro_medio <- numeric()

# simulando n vezes
for (j in 1:k) {
  for( i in 1:n){
  X[i] <- sample(1:4, size=1)
  }
  p1 <- sum(X==1)/n
  p2 <- sum(X==2)/n
  p3 <- sum(X==3)/n
  p4 <- sum(X==4)/n
  erro_medio[j] = (abs(p1 - .25) + abs(p2 - .25) + abs(p3 - .25) + abs(p3 - .25)) /4
}

summary(erro_medio)

Min. 1st Qu. Median Mean 3rd Qu. Max. 0.00225 0.00675 0.00950 0.01080 0.01381 0.02725

Podemos ver que o erro médio é da ordem de menosde 3pp no pior dos casos.

Exercício. Verifiquem como o erro médio muda com \(n = 100\), \(n = 1000\) e \(n = 10000\).

4.5 Aplicação de simulação

Um dos resultados mais contraintuitivos de modelos de probabilidade está relacionado à chamada “falácia do jogador”. A falácia é a crença de que, porque saiu um número par (ou preto) na última jogada em uma roleta no cassino, então aumenta a chance de sair ímpar (vermelho) na próxima rodada, para que os números se equilibrem. Porém, cada jogada é independente da anterior. Um problema relacionado é o chamado problema da ruína do jogador.

Exemplo 1.2. Ballot theorem (toerema da urna de votação? teorema da votação?)

Esse teorema, provado em 1878 por W. A. Whitworth e independentemente em 1887 por J. Bertrand estabelece a probabilidade de que, durante a apuração dos votos em uma urna, sempre haja mais votos contabilizados para o candidato \(P\) do que para o candidato \(Q\), quando \(P\) possui \(p\) votos e \(Q\) possui \(q\) votos, com \(p > q\). A fórmula para essa probabilidade é \((p-q)/(p+q)\).

Vamos verificar esse teorema por meio de simulação? Configuração: suponha que \(p = .51\) e \(q = .49\). O que sigifnica que é \((p-q)/(p+q) = .02/1 = 2\%\) Primeiro, faremos uma simulação, e depois repetiremos k vezes a simulação para obter a frequência relativa.

set.seed(234)
# número de votos na urna
n = 1000

# 1 é o voto para P, -1 o voto para Q.
# então geramos n votos e armazenamos em votos

# vamos usar rbinom, que gera 0 ou 1.
votos <- rbinom(n, 1, p=.51)

# transformado 0 em -1
votos <- ifelse(votos == 0, -1, votos)

# Agora, iremos contar o primeiro voto e registrar para quem vai. Depois o segundo e o terceiro etc. até não sobrarem votos a serem apurados. Vamso guardar essa sequência em um objeto apuração.
apuracao <- numeric()

# em seguida, contamos se em algum momento Q está na frente. Se estiver, então não aconteceu de P liderar toda a apuração.
contagem_lideranca <- numeric()
for ( i in  1:n) {
  apuracao[i] <- votos[i]
  contagem_lideranca[i] <- sum(apuracao)
}
# se a soma dos votos for positiva, tivemos mais votos 1 que -1. Se for negativa ou igual a zero, P não esteve liderando (esteve atrás ou empatando)
# então, basta contar quantos casos aconteceram da soma dos votos apurados é menor ou igual a zero.

if (sum(contagem_lideranca <= 0)) print("p não liderou sempre")

[1] “p não liderou sempre”

#agora, vamos fazer a simulação mil vezes. Esperamos que aprox. 2% das vezes P lidere sempre.

# simulando k = 1000 vezes

apuracao <- numeric()
contagem_lideranca <- numeric()
freq_lideranca <- numeric() # armazanear se liderou ou não em cada sim k

for (k in 1:1000)  {
  for ( i in  1:n) {
  apuracao[i] <- votos[i]
  contagem_lideranca[i] <- sum(apuracao)
  }
  freq_lideranca[k] <- as.numeric(sum(contagem_lideranca <= 0))
  if( k%% 50 == 0) print(k) # para vermos a evolução da simulação a cada 50 passos
}

[1] 50 [1] 100 [1] 150 [1] 200 [1] 250 [1] 300 [1] 350 [1] 400 [1] 450 [1] 500 [1] 550 [1] 600 [1] 650 [1] 700 [1] 750 [1] 800 [1] 850 [1] 900 [1] 950 [1] 1000

# se a soma dos votos for positiva, tivemos mais votos 1 que -1. Se for negativa ou igual a zero, P não esteve liderando (esteve atrás ou empatando)
# então, basta contar quantos casos aconteceram da soma dos votos apurados é menor ou igual a zero.

print(sum(freq_lideranca)/k)

[1] 0.281

# 0,281 ou 2,8%. Próximo dovalor verdadeiro de 2%. Se aumentarmos k, irá convergir para o valor verdadeiro. 

Suponha agora um problema diferente. Um dos dois candidatos vai ter a primeira liderança. Após \(n\) votos apurados, qual a probabilidade de a contagem ter empatado pela primeira vez? Dito de outro modo, após uma das candidatas assumir a liderança, quanto “tempo” (isto é, após quantos votos apurados) em média devemos esperar até que uma reversão de liderança ocorra (ou pelo menos um empate)?

A intuição que as pessoas têm, talvez a partir da lei dos grandes números, é que deveríamos esperar que, se \(p = q = 1/2\), ambas candidatas deveriam liderar por 50% do tempo em uma apuração suficientemente longa (com \(n\) votos grande) e deveria haver troca constante de liderança, em vez de uma candidata liderar po um longo tempo. Essa intuição é errada, como iremos mostrar agora por simulação. A leitora interessada na demonstração matemática utilizando apenas análise combinatória (portanto, apenas estatística básica) deve consultar o clássico livro de Feller (1968). Aqui, faremos uma simulação para mostrar isso.